quarta-feira, 7 de março de 2012

O TEATRO SORRIU PARA A DAMA DOS ACORDES

O palco também fez cantos fortes na alma de MARGARIDA SCHIVASAPPA. A musa cultural amazônica dedicou sua trajetória a fomentar o canto orfeônico e também as cenas, o tablado. Professora e diretora teatral, a Senhora dos Acordes regeu corais de novas eras e coloriu os palcos desse norte. A artista fomentou gerações de atores amadores e foi uma das fundadoras do Teatro do Estudante do Pará. Nossa grande mentora foi amiga do lendário fundador do TEB. O texto, abaixo, explica a origem do empreendimento.

Criado por PASCHOAL CARLOS MAGNO, o Teatro do Estudante do Brasil tem seu ponto alto com a montagem de Hamlet, de William Shakespeare, em 1948, que coroa a iniciativa em prol de um teatro feito com qualidade artística.

Inaugurado em 1938, o Teatro do Estudante do Brasil - TEB se dedica a montagens de grandes autores nacionais e estrangeiros - Shakespeare, Gonçalves Dias, Sófocles, Henrik Ibsen, Martins Pena. O espetáculo de estreia, com direção de ITÁLIA FAUSTA, é Romeu e Julieta, que conta com o corpo de baile do Theatro Municipal e sua orquestra de cordas. Os críticos aplaudem desde o início a iniciativa de MAGNO que, a médio prazo, promete deixar para trás os tempos da chamada Geração Trianon, formada exclusivamente pela prática, sem espírito de equipe, sem conhecimento da modernidade cênica. Romeu e Julieta recebe elogios tanto pela direção quanto pelos atores.

Em 1948, o TEB apresenta uma histórica montagem de Hamlet, dirigida por Hoffmann Harnisch, com uma composição realista do ator Sergio Cardoso, célebre paraense como MARGARIDA SCHIVASAPPA. Em 1951, o projeto realiza uma turnê de dois meses e meio pelo norte do país representando gratuitamente, tanto em salas fechadas quanto em espaços abertos, um repertório de sete espetáculos. Foi nesse período que Paschoal e nossa maestrina se conheceram. O trabalho realizado era o de formação de atores e público, como também, da disseminação de uma dramaturgia diferenciada, com montagens de Édipo Rei e Antígone, de Sófocles; Hécuba, de Eurípides; Romeu e Julieta, de William Shakespeare; Os Espectros, de Henrik Ibsen; Autos, de Gil Vicente, e O Noviço, de Martins Pena. Esther Leão desempenha a função de ensaiadora durante a excursão.

Como grande incentivador da atividade teatral, Paschoal cria o Teatro Duse no porão de sua casa, no bairro de Santa Tereza, no Rio de Janeiro. Pelo pequeno teatro de cem lugares, passa boa parte dos grupos de estudantes e amadores da época.

A realização de maior vulto do TEB é a formação de elencos para a apresentação de espetáculos em lugares públicos da cidade. Em 1953, Paschoal Carlos Magno consegue 15 caminhões e os transforma em teatros ambulantes, realizando 500 apresentações.

Paschoal Carlos Magno escreve sobre a criação do TEB: "Eu tinha chegado da Europa e via aqui a situação melancólica do teatro brasileiro, um teatro sem muita orientação técnica, representado por atores e atrizes sem a menor preparação. Digo melancólico, porque havia uma crescente ausência de público e um número cada vez maior de companhias que multiplicavam seus frágeis esforços, suas energias, sem encontrar eco por parte da plateia e da imprensa. (...) percebendo que nada se pode fazer nesse país sem o apoio dos estudantes, apesar da má vontade de algumas autoridades de ontem, de hoje e de sempre, percebendo que nada se pode fazer aqui sem a participação dos moços, (...) reuni, na casa de minha mãe, dezenas de jovens planejando criar o Teatro do Estudante do Brasil".


O PRECIOSO JARDIM CULTURAL EM QUE VIVEU MARGARIDA

MARGARIDA SCHIVASAPPA viveu e exercitou sua criatividade cênica e musical num período histórico fundamental para a Cultura Brasileira. As décadas de 1930 e 1940 foram um marco de efervescência para o País. O texto abaixo, extraído da internet, mostra o quão basilares, fortes e mágicos foram os anos que cercaram a carreira da grande professora amazônica:

Entre 1927 e 1946, muita coisa vai suceder a nossa música popular. Foi um período tão rico que chegou a ser alcunhado pelos historiadores de "idade de ouro". No ano de 1930 - ou talvez um pouco antes - a Música Popular Brasileira dá por inaugurada toda uma década. Dois motivos essenciais determinaram tal guinada. Primeiramente, a mudança do sistema de gravação mecânica para a gravação elétrica, o que permitia o registro fonográfico de vozes de curta extensão, mas cheias de malícia que o samba exigia. O segundo motivo foi o aparecimento e a espantosa expansão do primeiro veículo de comunicação de massa, o rádio, estimulado em seu desenvolvimento pelo novo governo GETÚLIO VARGAS, que nele viu um oportuno fator de integração nacional. E também de esperta consolidação política do seu governo.

A cada mês o número de músicas, compositores e intérpretes crescia. Personagens que fizeram a própria integração nacional através do mito de suas vozes e letras levadas de ponta a ponta ao Brasil pelo milagre das ondas transmitidas sem fios.


Entre tantos, destacam-se
Carmem Miranda e Mário Reis, os cantores que foram fruto direto do milagre do microfone a partir de 1930, já que suas vozes de curta extensão puderam registrar toda a malícia e bossa da música popular.

Logo a seguir apareceram o seresteiro
Sílvio Caldas e o meteórico mais genial sambista Luís Barbosa; o ex-alfaiate Carlos Galhardo, que se consagraria como cantor romântico apesar de iniciar-se com Boas Festas de Assis Valente (1933) ; o hoje esquecido Patrício Teixeira, grande sucesso de época; o iluminado Orlando Silva, que a partir de 1936 acendeu a mais forte luz que a MPB já terá conhecido até hoje, pelo menos na sua época de apogeu (1935-1945); as cantoras Marília Batista e Araci de Almeida, sempre disputando a preferência de Noel; o casal 20 que foi Odete Amaral e Ciro Monteiro; e ainda as irmãs Batista (Linda e Dircinha). E tantos e tantos outros que acabaram injustamente esquecidos.

OS COMPASSOS HISTÓRICOS DO CANTO ORFEÔNICO


Nomeada por GETÚLIO VARGAS para gerir ações educacionais na Amazônia, MARGARIDA dedicou-se a travar contato imensamente próximo com educadores e alunos nortistas. Tornou-se exemplo, parâmetro. Passadas décadas, muitos que tiveram contato com a mestra – seja ao lado nas trincheiras do educar, seja sob a égide do aprender – doam à memória depoimentos belos a respeito da professora (muitos desses relatos poderão ser lidos no livro sobre SCHIVASAPPA a ser lançado pelo pesquisador ANTÔNIO PANTOJA lançará). A força pedagógica de MARGARIDA é o símbolo de um tempo, conforme atestam historiadores.   

Antes de VILLA-LOBOS, o movimento do canto orfeônico no Brasil já havia sido deflagrado no início do século por JOÃO GOMES JÚNIOR com orfeões compostos de normalistas na Escola Normal de São Paulo, futuro Instituto Caetano de Campos. Foi seguido por FABIANO LOZANO, com as normalistas na cidade de Piracicaba, e por JOÃO BATISTA JULIÃO, que teve um papel expressivo no movimento com a criação do Orfeão dos Presidiários na Penitenciária Modelo de São Paulo.

A partir de 1921 a posição do governo de São Paulo era francamente favorável ao ensino de música nas escolas públicas. Na década de 30, a iniciativa alastrou-se por todo o país e o movimento pela implantação do canto orfeônico tomou grande impulso com a adesão de VILLA-LOBOS. Ao tomar conhecimento desta nova perspectiva, MARGARIDA soma-se a tendência educacional corrente.

Em 1931, o compositor, recém-chegado ao Brasil depois de alguns anos na Europa, foi convidado pelo interventor Federal JOÃO ALBERTO LINS E BARROS a organizar um orfeão cívico: o evento reuniu mais de 11.000 vozes, numa manifestação de impacto inédita no país e com grande participação popular.

Em 1932, VILLA-LOBOS assumiu a direção da Superintendência da Educação Musical e Artística (SEMA) das Escolas Públicas do Rio de Janeiro, fundada pelo educador ANÍSIO TEIXEIRA. A SEMA, baseada na reforma que instituiu o ensino obrigatório de Canto Orfeônico no Município do Rio de Janeiro (Decreto 19.890 de 18 de abril de 1931), criou o Curso de Orientação e Aperfeiçoamento do Ensino de Música e Canto Orfeônico. As atividades eram subdivididas em cursos de Declamação Rítmica e de Preparação ao ensino do Canto Orfeônico, destinados aos professores das escolas primarias. Também foram criados o Curso Especializado de Música e Canto Orfeônico e de Prática de Canto Orfeônico, destinados à formação de professores especializados. Nossa Dama dos Acordes foi uma das artistas da educação qualificada por tais métodos.

O TOM HARMÔNICO DO GRANDE MESTRE

"Era preciso por toda a nossa energia a serviço da Pátria e da coletividade, utilizando a Música como um meio de formação e de renovação moral, cívica e artística de um povo. Sentimos que era preciso dirigir o pensamento às crianças e ao povo. E resolvemos iniciar uma campanha pelo ensino popular da música no Brasil, crentes de que hoje o canto orfeônico é uma fonte de energia cívica vitalizadora e um poderoso fator educacional. Com o auxílio do Governo, essa campanha lançou raízes profundas, cresceu, frutificou e hoje apresenta aspectos ineludíveis de sólida realização. Mas para que esse ensino seja proveitoso e venha completar, e não perturbar, a evolução natural em que se deve processar a educação da criança, é preciso que seja ministrado simultaneamente com os conhecimentos de Música Nacional. Encarado, pois, o problema da educação musical da infância sob esse aspecto, o ensino e a prática do canto orfeônico nas escolas impõe-se como uma solução lógica, não só a formação de uma consciência musical, mas também como um fator de civismo e disciplina social coletiva"

VILLA-LOBOS (1946)

A DISSONÂNCIA DAS POLÊMICAS

Os destinos de MARGARIDA SCHIVASAPPA, VILLA-LOBOS e GETÚLIO VARGAS cruzam-se de forma harmônica, mas também polêmica. Exemplar pupila do famoso maestro e nomeada pelo Presidente Vargas para ser uma das disseminadoras do ideal educacional da época, MARGARIDA semeou na Amazônia as bases do Canto Orfeônico. A prática musical, no entanto, tem em sua partitura histórica algumas notas de controvérsia.

As décadas de 30 e 40 foram marcadas por intensa atividade educativa. Ao mesmo tempo, VILLA-LOBOS promoveu grandes manifestações orfeônicas nas datas cívicas, sob o argumento de disseminar o método. O trabalho, todavia, estava fortemente ligado ao regime totalitário da época.

Alguns pesquisadores afirmam que, para o governo de GETÚLIO VARGAS, a aposta no canto orfeônico como ferramenta educacional era uma excelente forma de propaganda, através da qual se fiava legitimação.  Os regimes de força, afirmam vários historiadores, frequentemente têm uma percepção apurada do poder arrebatador da música sobre as massas. Dessa forma, é frequente a crítica de que o trabalho pedagógico do criador da Bachianas, método seguido por SCHIVASAPPA, estava a serviço de uma causa política e não educacional.

Nem todos os pesquisadores sobre o tema, entretanto, concordam com este ponto de vista e julgam que o envolvimento do compositor com a Ditadura Vargas foi apenas uma circunstância favorável aos seus objetivos musicais e que o aspecto propagandístico e cívico não mereceria maior importância. O que igualmente tornaria isento desse viés o comprometimento de MARGARIDA.  

HISTÓRIA E CARACTERÍSTICAS

O ideal do Canto Orfeônico tem suas raízes na França. No início do século XIX, o canto coletivo era uma atividade obrigatória nas escolas municipais de Paris e o seu desenvolvimento propiciou o aparecimento de grandes concentrações orfeônicas que provocavam o entusiasmo geral. Na época, o sucesso desse empreendimento foi tal que surgiu até mesmo uma Imprensa Orfeônica.

O canto orfeônico tem características próprias que o distinguem do Canto Coral dos conjuntos eruditos. Trata-se de uma prática da coletividade em que se organizam conjuntos heterogêneos de vozes e tamanho muito variável. Nesses grupos não se exige conhecimento musical ou treinamento vocal dos seus participantes. Por outro lado, o canto coral erudito exige não só conhecimento musical e habilidade vocal, como também vozes rigorosamente distribuídas e um rigor técnico-interpretativo mais elevado.

O AFINADO ELOGIO DE UMA DIVA PARA NOSSA MUSA

MARGARIDA SCHIVASAPPA foi uma das grandes incentivadoras dos atores amadores na região Norte e, desta feita, dedicou-se à estruturação do TEATRO DO ESTUDANTE. O árduo e apaixonado trabalho que ela realizou em prol das artes cênicas na Amazônia rendeu-lhe Aplausos de destacados nomes da CULTURA BRASILEIRA em nível nacional. Aqui, um desses preciosos Testemunhos:

“Foi na noite de 14 de outubro de 1946, às 21h. Entrei no Theatro da Paz, sentei-me numa poltrona, assisti ao ensaio e gostei. Gostei de ver esta turma jovem de Belém entusiasmada pelo bom teatro e tão bem orientada pela professora Margarida Schivazappa... O teatro é sinônimo de beleza. Beleza é amor. O amor ao teatro é o que vocês nunca deverão esquecer. Sucesso!”

BIBI FERREIRA

Este depoimento faz parte da obra MARGARIDA SCHIVASAPPA – A PRIMEIRA DAMA DO TEATRO PARAENSE, do pesquisador ANTÔNIO PANTOJA

O TIMBRE QUE MARGARIDA DEFENDEU


MARGARIDA SCHIVASAPPA foi uma grande pioneira na defesa e difusão, na Amazônia, da prática do Canto Orfeônico como ferramenta pedagógica. Mas você sabe o que é, afinal, essa técnica?

Um dos maiores compositores do Século XX, HEITOR VILLA-LOBOS sempre sonhou em deixar para a posteridade, além de sua gigantesca obra musical, algo que definitivamente contribuísse para melhorar o nível intelectual e musical do povo brasileiro. Na década de 1940, o autor das Bachianas Brasileiras teve a oportunidade de implantar, tanto no Rio de Janeiro como em São Paulo, o Programa Canto Orfeônico, um compêndio educacional destinado às escolas, através do qual um grande número de estudantes poderia ter acesso à cultura musical europeia. Muitos dos grandes músicos de hoje despertaram sua vocação nestas salas de aula. MARGARIDA foi justamente uma dessas pupilas


Leia mais sobre a relação da artista paraense com o grande mestre da música nacional no post OS ACORDES DE VILLA-LOBOS FAZEM PARTE DA NOSSA TRILHA.


De acordo com os pesquisadores e estudiosos, o Canto Orfeônico seria uma metodologia importante para auxiliar na alfabetização musical de adultos e no desenvolvimento artístico na infância.

Considerado o maior Movimento de Educação Musical de massas já ocorrido no Brasil, a técnica ligava-se ao ideário escolanovista e teve sua imagem profundamente ligada ao governo de Getúlio Vargas. Foi durante o Estado Novo que a modalidade se constituiu enquanto movimento, tendo à frente VILLA-LOBOS.

A dinâmica popularizou-se fortemente nos anos 30, 40 e 50. Eventos em torno do gênero tornaram-se célebres e agrupavam verdadeiras multidões em espaços públicos. Na capital paraense, SCHIVASAPPA chegou a reger um coral de com mil e quinhentos estudantes da rede pública. A apresentação aconteceu na Praça da República.

Alguns historiadores, no entanto, criticam a disseminação que tal estudo ganhou na era Vargas. O tom nacionalista adotado nas apresentações, para muitos, tinha como meta afastar o olhar público para as crises e desmandos da gestão de GETÚLIO.

O assunto pode ser, hoje em dia, facilmente pesquisado em várias fontes. A obra Canto Orfeônico no Pará, de Vicente Salles, relata dois momentos da prática deste ensino na cidade de Belém, capital do Estado do Pará. O primeiro marca a experiência pioneira do pianista e compositor CLEMENTE FERREIRA JÚNIOR, no ano de 1898. O segundo foi exatamente a fase desempenhada pela mestra MARGARIDA SCHIVASAPPA, que recebeu bolsa de estudos para frequentar o curso para professores ministrado no Rio de Janeiro por HEITOR VILLA-LOBOS e voltou para implantar no Pará essa experiência pedagógica.

Trabalho inspirado na obra MARGARIDA SCHIVASAPPA – A PRIMEIRA DAMA DO TEATRO PARAENSE, do pesquisador ANTÔNIO PANTOJA